quinta-feira, 3 de outubro de 2019

Agressividade

(Mestre Senior Julio Camacho, Núcleo Barra.)

Certa vez Si Fu estava falando sobre agressividade e usou como exemplo um diamante. A pedra é a matéria-prima, mas o trabalho feito neste material é que resulta em um fim valioso.

O mesmo acontece com a arte marcial: a agressividade é a matéria-prima de todo artista desta área. Saber direcionar essa agressividade para o objetivo a ponto de canalizar toda a energia para aquele fim e depois agir como se nada tivesse acontecido, em meu entender, é Kung Fu.


(Mestre Senior Julio Camacho, Núcleo Barra)

Há pouco tempo tive a oportunidade de experimentar esta agressividade de maneira contundente e, sobretudo, particular.

Si Fu havia me pedido que guardasse alguns pertences em minha casa. Eles estavam em uma mala, e eu deveria devolvê-la tão logo guardasse os itens que estavam lá dentro.

Desci com Si Fu para retirar a mala de seu carro, peguei-a e perguntei em quanto tempo ele precisaria dela de volta. Neste momento vi em seus olhos a matéria-prima da arte marcial: agressividade pura e muito bem direcionada. Só pelo olhar fiquei em estado de alerta e pensei: “Perdi. Agora o soco entra.”

“Guilherme, quanto tempo você precisa para desfazer uma mala?”

Nervoso, respondi que uma semana. Logo em seguida achei que era melhor ter ficado quieto, e no segundo seguinte tinha certeza de que não adiantaria nada me calar. Si Fu, sem medir o tom de voz, começou a sessão de “pancadas”:

Como que um dos Diretores de Núcleo precisa de uma semana para devolver uma mala?

Que tipo de estrategista precisaria de tanto tempo para fazer algo tão simples?

Como cuidar de um Núcleo se não posso nem mesmo desfazer e devolver uma mala?

Fui encolhendo a cada palavra. Quanto mais respondia, mais pancada tomava. No fundo eu sabia que Si Fu não queria que eu respondesse, mas que eu desenvolvesse o espírito marcial necessário para executar minha “missão”.

Em dado momento, Si Fu pegou a mala, jogou-a com toda força de volta no carro, bateu a porta, entrou e deu partida no motor. Neste momento eu acordei.

“Si Fu, me devolva a mala.”

Não sei se Si Fu tinha dimensão do desconforto que eu tive ao vê-lo jogando a mala com tamanha agressividade no carro, mas o fato é que aquilo me despertou — começava a brotar em mim a agressividade necessária para levar e devolver a mala rapidamente.

(Mestre Senior Julio Camacho)

Naquele dia Si Fu não me devolveu a mala, e fiquei amargurando aquela cena por alguns dias com uma sensação de impotência enorme. Não pude deixar de me perguntar por diversas vezes o que estava fazendo no Ving Tsun.

Tempos depois lá estava ela no vestiário parada em um canto. Si Fu passou do meu lado e disse:

“Trouxe a mala que me pediu.”

Dois dias depois ela estava de volta, vazia, as coisas que Si Fu deixou sob minha guarda muito bem cuidadas em minha casa. Desta vez, foi este o diamante que Si Fu me ajudou a moldar.





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